Um giro pelo Brasil dos Mestres do Ofício

Confira as histórias da equipe que está atuando nos bastidores da Feira-Exposição Arte dos Mestres, na produção, curadoria e registro poético do universo criativo de relevantes artistas populares do país
Vivian Martins

O artista popular Jasson Gonçalves, em sua casa em Belo Monte. Foto: MOMBAK

Em 2023, no ano em que a Artesol completa 25 anos atuando pela valorização do artesanato brasilero, a organização lança para o mundo um evento inédito: uma feira-exposição que conecta diferentes propostas: documentação e valorização dos  mestres artesãos  brasileiros, inserção do seu trabalho no mercado de arte e educação do público. 

No evento, que acontece entre 30 de agosto e 03 de setembro, serão apresentadas mais de 200 obras de 20 artistas e coletivos apresentadas em espaços individualizados. O evento também contará com uma programação de rodas de conversas com os artistas,  espaços formativos e exibição de documentários com registros de seus processos criativos.

De acordo com a curadora Josiane Masson, o projeto Arte dos Mestres surgiu de uma vontade de jogar luz na figura desses mestres e mestras dos saberes e fazeres artesanais do Brasil, fomentando a  comercialização da sua produção e promovendo um maior entendimento do público sobre o valor dessa expressão da cultura popular do país. "Queremos que, por meio dos artistas convidados para essa edição, toda uma categoria de criativos nesse campo cultural seja  mais conhecida e valorizada", afirma.

O mestre Francisco Graciano e sua família. Foto: Theo Grahl / Mombak

Antes da concepção da exposição, a  Artesol já havia realizado uma série de projetos estruturados tanto para a qualificação de artesãos, quanto para comercialização de produtos, mas nunca havia investido em um projeto de sensibilização e mobilização do público em geral.

Por isso, durante o processo de construção do projeto, foram levantadas uma série de questões: faz sentido investir na capacitação dos artesãos, sem um trabalho complementar para fomentar e potencializar a comercialização da sua produção? Sem um investimento em educação do público, no sentido de promover a compreensão da matriz cultural que sustenta o trabalho artesanal, como inserir a arte popular no mercado? 

Nesse contexto, a ideia da Feira-Exposição tomou a forma de um projeto, não só de valorização cultural, mas de abertura de mercado e promoção de encontros significativos. Para Masson, existe, desde a fase inicial do projeto, a vontade de  “apostar na arte e na cultura como ferramenta de mudança social na realidade dos territórios criativos do país". 

 

A curadora Josiane Masson, no Parque Indígena do Xingu, Foto: Arquivo Pessoal

Partindo da diretriz de não rotular os trabalhos, a curadoria escolheu seguir sem uma temática específica e adotar um sistema de construção afetiva que busca refletir a “colcha de retalhos” que reflete o universo  artesanal brasileiro, formado por uma profusão de ideias e linguagens de todos os cantos do país, com diferentes técnicas e materiais. 

A pesquisa teve um início com uma  pré-seleção de cem pessoas, entre elas mestres e mestras com distintas histórias importantes para a identidade  de seus territórios e para a cultura do Brasil. Marco Pulchério, que divide a curadoria do evento com Jô Masson, conta que a seleção foi baseada não só em critérios técnicos, mas também na  vontade do coração, de  prestigiar o mestre que já é idoso e que precisa ter a sua história contada, o artesão que não tem o título de mestre, mas tem o domínio sobre aquilo que faz ou que tem o papel de propagar o conhecimento com generosidade e respeito ao seu entorno. “Afinal, é isto o que caracteriza um mestre: sua capacidade de compartilhar saberes com o outro”, conta.  

Marco afirma ainda que, “essencialmente, a curadoria partiu desses três eixos: a necessidade de contar histórias sobre o mestre e manter sua memória e trabalho vivos, a compreensão do papel dele na comunidade e na sociedade e a valorização do conhecimento técnico que ele possui”.

No aspecto da comercialização, a equipe do projeto está auxiliando os produtores a precificar  e ajustar o valor de cada trabalho, levando em conta todos os custos logísticos, de materiais,  embalagem, transporte, etc, mas cada artista irá comercializar o próprio trabalho, sem intermediação. O papel da Artesol foi o de atuar junto aos mestres com um olhar cuidadoso e formativo, para que os mestres aprendessem a preparar as obras  para a venda e garantir a qualidade de seus trabalhos para o mercado. Ou seja, a ideia é estimular a profissionalização do processo logístico de embalar, transportar, expor e vender os trabalhos. Essa é uma forma de valorizar seu conhecimento e produção, inclusive financeiramente, através de práticas justas de comercialização. 

Produção audiovisual e memória

Processo criativo do artista Rosalvo. Foto: Theo Grahl / Mombak

Outro objetivo do projeto era fazer a documentação das histórias de vida dos artistas envolvidos na mostra para revelar ao público as nuances sobre seus processos criativos. Por isso, o diretor audiovisual, Theo Trindade, percorreu 19 municípios brasileiros para produzir os vídeos que compõem a exposição em visitas às casas, ateliês e oficinas dos artistas. Segundo ele, esse processo imersivo foi fundamental para captar a essência do trabalho de cada artista. 

“Por meio de uma relação de escuta, registro e dedicação de tempo para estar presente para a memória das pessoas, é possível se entregar ao processo e ao fluxo do lugar.  É assim que se cria a intimidade. Quando desligo a câmera, vêm ainda as melhores histórias”. Segundo ele, desse mergulho, surge uma reflexão a respeito da importância do projeto.  “É preciso conhecer essas pessoas que estão conectadas com o tempo das coisas.  Valorizar esses encontros e as localidades em que os mestres vivem e trabalham. A exposição se propõe, portanto, a ser um espaço de troca cultural”.

O diretor audiovisual Theo Grahl e Mariana Campanatti, coordenadora do projeto, noi Parque Indígena do Xingu. 

Uma das histórias que marcaram a equipe do projeto foi a dos irmãos Tamba e Armando, que, entre as décadas de 70 e 80, desenvolveram um trabalho muito expressivo voltado ao sincretismo religioso e que chegaram a fazer parte da exposição com a arquiteta modernista ítalo-brasileira Lina Bo Bardi dedicada ao artesanato brasileiro. Os filhos e netos dos irmãos tentaram dar continuidade a esse trabalho, mas, por questões diversas, incluindo problemas econômicos,  acabaram seguindo por outros caminhos. A proposta da equipe do projeto Arte dos Mestres foi de tentar resgatar a memória dos mestres Tamba e Armando e sua iconografia, além de auxiliar com os recursos necessários para que essa família que marcou história no artesanato brasileiro, não seja esquecida. 

Segundo a coordenação do evento, para valorizar essas memórias, também houve uma preocupação em priorizar a fala dos mestres (e não de curadores sobre eles), mas os próprioos artistas, compartilhando seus processos, suas histórias e as referências dos seus territórios.Dessa forma, é possível disseminar o legado que esses mestres nos deixam junto com sua obra: determinação, insistência, resistência, ousadia e coragem e fé. Não apenas na vida, mas em si mesmos e em sua arte.

Sobre o autor

Vivian Martins

Vivian Martins é viajera, formada em educação artística e pós-graduada em arteterapia, pesquisa arte e política na América Latina e desenvolve trabalhos relacionados à produção cultural e escrita criativa.
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