Eu vou tomar um tacacá: por que definir o Pará como seu próximo destino

Mariana Campanatti

Toda vez que eu vou para o norte do país volto apaixonada e cheia de inspiração. Isso obviamente acontece pelo contraste que é a cultura do norte comparada ao sudeste, onde nasci e cresci. Mas não é somente a este aspecto ao qual me refiro aqui, vai muito além das óbvias diferenças culturais, de clima e de rotina. É de fato uma terra de encantados. Estive recentemente no Pará e assim que cheguei em casa cresceu em mim a vontade de compartilhar meu olhar apaixonado que tenho por essa região. Conheço muitas pessoas que já viajaram para este estado e não puderam experimentar as belezas um pouco mais escondidas - ou até subjetivas - que esta região oferece. 

Por isso, digo, se ainda não sabe para onde ir nas próximas férias, eu recomendo fortemente e já trago uma série de sugestões para principiantes, começando em Belém, passando pela Ilha de Marajó e em seguida uma visita rumo oeste para Santarém. Vem junto:

As praias de Rio de Alter do Chão, em Santarém (PA). Foto: J Braym

Arte e artesanato: do fazer ancestral às obras contemporâneas e descolada

Brinquedos de miriti, peças de cerâmicas, cestarias coloridas, jóias modernas. Hoje o Pará é considerado um dos principais pólos criativos do Brasil. Esta seleção é apenas um pedacinho de tudo o que pode ser descoberto e explorado por você durante essa viagem.
 

Tradicionais brinquedos de Miriti em Abaetetuba

Próximo a Belém fica a cidade de Abaetetuba, uma região composta por mais de 70 ilhas, berço dos artesãos dos tradicionais brinquedos de Miriti, tão famosos no Círio de Nazaré e na infância das crianças da região.
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Cerâmicas históricas da Ilha de Marajó

Herdeiros das culturas arqueológicas marajoara e tapajônica, o povo paraense tem na

produção de objetos cerâmicos um importante elemento de sua identidade. Na Ilha de Marajó é possível visitar alguns ateliês e acompanhar a produção de cerâmica tradicional realizada pelas famílias.
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Artesã do grupo Turiarte com peças de tucumã produzidas para o Laboratório de Inovação da Rede Artesol. Foto: Pedro Alcântara

Cestarias coloridas do Rio Tapajós e Rio Arapiuns

Próximo a Santarém, na região oeste do Pará, é possível fazer passeios lindíssimos pelo Rio Tapajós e Arapiuns e aproveitar o ensejo para conhecer a Turiarte, uma associação que envolve 6 comunidades ribeirinhas e mais de 50 mulheres no fazer precioso das cestarias coloridas. Além dos trabalhos com fibras de tucumã, outros artesãos realizam trabalhos com látex, madeira, cuias e cerâmicas na região.

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https://www.artesol.org.br/turiarte

https://www.artesol.org.br/ribeirinhasdesantarem


Mais sobre o circuito artístico paraense:

Em 2023 aconteceu em Belém do Pará a primeira edição da Bienal das Amazônias. Pioneira, foi uma das 10 exposições mais vistas do Brasil no ano e considerada uma das melhores por diversos críticos. Reforça como a Amazônia tem ganhado força em compor suas próprias narrativas, para si e para o mundo todo. Fruto também de diversos movimentos coletivos, criativos e colaborativos que aconteceram na região nos últimos anos.

Conheça espaços compartilhados com outros artistas em Belém:

Casa Namata

https://www.casanamata.com.br/

Espaço Vem

https://www.instagram.com/espacovem/

A influência indígena, africana e portuguesa associada aos ingredientes tipicamente amazônicos tornam a gastronomia paraense bem diferente do que estamos acostumados a provar por aí. E é, além de uma experiência sensorial, uma delícia!

Ver-o-Peso

 

A secular arquitetura do Mercado Ver-o-Peso à beira do Rio Guajará. Foto: J Braym

O famoso Mercado Ver-o-Peso é uma das primeiras paradas para quem chega em Belém. Os produtos regionais, artesanato local, óleos mágicos, castanhas frescas, aquela bagunça que a princípio é difícil de entender é excelente para se perceber em terras paraenses. E lá mesmo é possível achar um cantinho para almoçar muito bem, de frente para o rio da baía do Guajará. Vale a ressalva: Não espere um almoço tranquilo, ele será atravessado por carros de som, vendedores ambulantes, turistas de todos os cantos, aromas novos, tudo isso compondo uma experiência sensorial única e encantadora. 

Além dos maravilhosos peixes de água doce para serem provados, o açaí original não pode passar. O tacacá é uma boa pedida para o final de tarde. E a cachaça de jambu para começar a noite.

Casa Onze Janelas
A Casa Onze Janelas é um espaço cultural que existe desde 2002 e abriga obras de Tarsila do Amaral, Rubens Gerchman, Lasar Segall e vários outros nomes conhecidos. Lá, além de ser um casarão lindo na beira da baía, também é onde fica o Restaurante Casa do Saulo, um excelente lugar para experimentar pratos típicos da Amazônia. Vale se atentar aos valores, bem mais caros que os do Mercado, porém com uma apresentação e ambientes impecáveis.

Cozinha Tucupi na Ilha de Marajó

Na Ilha de Marajó, em Soure, um restaurante muito conhecido e frequentado é o Cozinha Tucupi. Não à toa: os pratos são deliciosos, originais e o ambiente aconchegante, cheio de artesanato local, que não dá vontade de ir embora. O local é pequeno, então chegue cedo ou reserve uma mesa com antecedência. 

Parece mesmo que quando você chega no Pará, os diversos ritmos, que tem forte influência caribenha, já te dominam. Eu, pelo menos, adoro dançar e gosto de ver gente dançando, então pra mim é um prato cheio. Também, não dá pra escapar muito; É difícil conseguir silêncio em Belém, Soure, Santarém... Sempre alguém tem uma caixinha de som tocando alguma música, seja um ritmo mais dançante, seja um brega pop emocionado.

A música está por toda a parte no Pará e a animação e ritmo está nos pés e no quadril do paraense. O estado gestou e pariu a lambada, nos anos 80, com o Pinduca e Manoel Cordeiro e também é mãe do carimbó, da guitarrada, do siriá, do tecnobrega, do brega e de diversos fenômenos nacionais, como é o caso da Banda Calypso, Fruto Sensual e Dona Onete, com o 'tremor do jambu'.

O movimento do brega no Pará surge também nos anos 80 e lá pelos anos 2000, com a fusão com a música eletrônica, nas quebradas de Belém, nasce o tecnobrega. Por ser um ritmo marginalizado e fora do circuito das grandes gravadoras e dos centros de comunicação, o tecnobrega criou novas formas de produção e distribuição, com suas festas das aparelhagens com DJs, produtores caseiros e venda através de camelôs. Gostando ou não, hoje o tecnobrega decolou e é hoje ouvido em todos os cantos do Brasil.

Carimbó na Ilha de Marajó
Para assistir a uma boa apresentação de Carimbó, existem diversos grupos que se apresentam na Estação das Docas, no Ver-o-Rio ou outros pontos turísticos nas cidades. Recomendo as apresentações tradicionais belíssimas que acontecem em Soure, na Ilha de Marajó.

Lambateria
A Lambateria é um Festival da música latino-amazônica que acontece na semana que antecede o Círio de Nazaré, em outubro. É uma festa muito conhecida, até fácil de acessar, mas que dá a sensação de você estar descobrindo algo muito especial e exclusivo. Para chegar você passa por algumas vielas e de repente parece estar em um ambiente totalmente novo. Também, todas as quintas-feiras do ano, acontece uma versão menor da festa no Apoena Espaço Cultural. É uma delícia.

Aparelhagem

A expressão "aparelhagem" refere-se não apenas à música em si - o tecnobrega - mas também ao sistema de som usado para tocar essa música, geralmente composto por equipamentos de som potentes e sofisticados. Fruto da cultura periférica de Belém, é possível participar de um baile de aparelhagem em diversos locais da cidade. 

Carnaval de rua carnapauxis em Óbidos, Pará. Foto: J Braym

A riqueza do acervo cultural paraense é inegável, graças à herança das nações indígenas que sempre habitaram a região e, mais tarde, se misturou aos europeus e africanos. Daí, vêm os pratos peculiares, o folclore singular e, claro, o tanto de festerê que amamos. Celebrações de cunho religioso ou não, as festas populares paraenses são o retrato fiel de um estado rico e também devoto tanto entre os mais velhos quanto os mais jovens.

Círio de Nazaré - Belém/PA

Este ano fui para Belém do Pará acompanhar o maior evento religioso do mundo, que acontece em outubro, o Círio de Nazaré. O Círio, considerado o Natal do paraense, é uma grandiosa manifestação de fé e devoção à Nossa Senhora de Nazaré, realizada há mais de 200 anos em Belém. É uma celebração icônica e é reconhecida como Patrimônio Cultural Imaterial pelo Iphan, além de declarada Patrimônio Cultural da Humanidade pela UNESCO.

Eu não me considero uma pessoa religiosa e fiquei profundamente tocada pela beleza, fé e devoção que acompanhei ao longo dos dias que aconteceu a procissão. É interessante ver como a devoção comove pessoas de todas as idades e classes sociais.

Escultura de miriti no Círio de Nazaré. Foto: J Braym

Arraial do Pavulagem - Belém/PA
O Arraial do Pavulagem é um grupo tradicional criado há quase 30 anos que promove a cultura e a tradição folclórica entre os mais jovens. É uma das mais antigas festas populares paraenses, promove apresentações de rua utilizando elementos amazônicos, como o boi bumbá e o barco de Miriti. Os personagens são, além dos bois, os gigantes de perna de pau e os cabeçudos. O grupo sai às ruas especialmente nas festividades do Círio de Nazaré. 

Festa do Sairé - Santarém/PA
A disputa entre os botos Cor de Rosa e Tucuxi acontece em Alter do Chão. Uma das mais coloridas festas populares paraenses dura três dias e incorpora elementos religiosos e profanos das culturas europeias e indígenas.

Os encantados
Algo muito belo e bastante recorrente na cultura amazônica é a naturalidade que as narrativas com os encantados permeiam a cultura. Já ouvi diversas vezes histórias protagonizadas pelos entes que existem ou não na natureza e que, dotados de alguma habilidade especial, podem entrar em contato com pessoas por meio de sua forma física original ou de uma forma adquirida. É o caso de amigos que receberam a visita da Matinta Pereira, ou crianças que justificam algo inesperado por conta do Boto, tudo com muita naturalidade. 

Com forte influência de toda a oralidade da cultura indígena, as narrativas com os encantados está presente em todas as formas de expressão cultural paraense, como é o caso dessas cuias de Abaetetuba:

Estamos na Amazônia, afinal!

Arquipélago do Marajó. Foto: Theo Grahl

Não existe viajar para a Amazônia e dissociar a viagem dos possíveis passeios de ecoturismo. Os rios, florestas e ilhas oferecem oportunidades para explorar a biodiversidade única da Amazônia em uma viagem ao Pará. 

Tanto é que em 2025, Belém será sede da COP 30, a 30ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, que já está sendo conhecida como 'COP da Natureza'. Na reunião, chefes de Estado e de governo, pesquisadores, ambientalistas e empresários discutirão medidas de enfrentamento às mudanças climáticas. A Conferência deve mobilizar diversas ações e eventos na ocasião, algo para estarmos atentos.

A natureza é obviamente algo a ser desfrutado profundamente nesta viagem, abaixo algumas sugestões para começar: 

Alter do Chão - Santarém/PA

Alter do Chão é uma vila de pescadores banhada pelas águas do Rio Tapajós e um dos destinos de ecoturismo na região Norte que tem chamado a atenção dos viajantes nos últimos anos. Com uma beleza única, o destino já foi considerado como a praia de água doce mais bonita do mundo, pelo jornal inglês The Guardian.

Alter tem uma ótima infraestrutura para receber os turistas, os dias no destino são dedicados a passeios em praias, rios, lagoas, florestas e comunidades ribeirinhas. Na região também é possível visitar a Floresta Nacional de Tapajós, no Pará, com trilhas que chegam em árvores gigantescas e históricas. É como se fosse aquele passeio obrigatório para dizer que esteve na Amazônia.

Ilha de Marajó

A Ilha de Marajó é a maior ilha fluviomarinha do mundo, banhada pelo oceano Atlântico e pelos rios Amazonas e Tocantins, a ilha é dividida em 12 municípios cercados por matas, rios, campos, mangues e igarapés. É um dos lugares mais lindos que já visitei na vida. Para conhecer a ilha, a saída é de barco a partir de Belém. O trajeto leva cerca de duas horas e pode balançar bastante por conta da correnteza, por isso prefira os primeiros horários.

Museu Emilio Goeldi

O Museu Emilio Goeldi, em Belém do Pará, fundado em 1866, é considerado a segunda maior instituição de pesquisa e história natural do país. Ele também abriga um Parque Zoobotânico e Zoológico, trazendo um acervo riquíssimo sobre o bioma, flora e fauna amazônica para os interessados em se aprofundar no tema.
 

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É como ouvi de uma amiga querida uma vez: é possível passar uma vida inteira viajando dentro do Brasil. Eu, concordo muito com ela e do jeito que sou apaixonada pelo Pará, me obrigo agora a parar este relato, deixando algo para que você possa descobrir da sua própria perspectiva. 

Agora, separe suas roupas mais fresquinhas, um sapato bem confortável e, a depender, providencie um isopor pra voltar carregado de açaí, castanhas, tacacá e se sentir um paraense de carteirinha.

 

Sobre o autor

Mariana Campanatti

Mariana Campanatti é Comunicadora Social, mãe do Francisco e da Maria Rita, entusiasta das manualidades, manifestações culturais e artísticas. Só pode imaginar a tristeza que seria se não tivesse nascido brasileira, pois sua grande paixão é conhecer cada cantinho do Brasil.
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