
Valmir Neves

As mãos que criam, criam o que?
Arte sacra barroca. Assim Valmir Neves define sua arte em barro - uma fusão do clássico e do
barroco, modelada com técnica e devoção. Do fascínio, desde a infância, pelas obras de
Aleijadinho somado ao conhecimento herdado do amigo Reginaldo Campo (falecido em 2004)
Valmir os recriou em uma linguagem própria. Da observação das ruas, do cotidiano, da vida
real, ele se nutre de inspiração para obras ricas em detalhes e realismo, preservando a beleza
do material em estado natural.
Dos tempos de escassez, o artesão traz o legado da habilidade com mãos. Até hoje quase não
utiliza ferramentas, e as poucas que possui são fruto de improviso. Dá forma e vida à peças
modelando-as e não esculpindo, como aprendeu com o amigo. "A maioria dos ceramistas
usam muitas ferramentas, eu não. No inicio comprava kits de ferramenta e não conseguia usar.
Não sei explicar se foi devido a escassez inicial de ferramentas - quando tive condições não
conseguia mais trabalhar com elas."
Valmir adquire a argila de uma empresa localizada no município de Guapó, interior de Goiás,
fabricante de telhas e tijolos desde 1953. Desconhece a origem do barro mas sabe que
possuem as licenças necessárias para a extração, que chega ao atelier em estado bruto e é
preparado para o uso na maromba elétrica. O artesão chega a comprar um caminhão de oito
toneladas de argila, o que lhe permite trabalhar por cerca de um ano. Armazena o barro no
próprio atelier e na véspera de usar o mergulha em uma caixa d'água para passá-lo molhado na
maromba. Em cerca de duas horas, processa a quantidade de matéria-prima suficiente para
trabalhar durante uma semana. Modela a peça, aguarda a secagem por cerca de. cinco dias e
leva ao forno, aquecido a lenha por aproximadamente 24 horas. Geralmente Valmir realiza
duas queimas ao mês - em cada uma delas, dá vida a cerca de cinquenta criações.
Quem cria?
Valmir Neves começou sua história com a arte em 1998, trabalhando com pintura em tela. Foi
em 2001, quando conheceu Reginaldo Campo, que começou a trabalhar com cerâmica, da
observação de seu ofício. Tornaram-se grandes amigos. Certo dia ele o convidou para uma
sociedade - abriram um atelier em Goiânia, onde lecionavam cursos, vendiam argila e
realizavam outras atividades. Tudo ia muito bem, mas cerca de dois anos após a inauguração
ele faleceu em um acidente.
O recomeço foi difícil, mas aos poucos Valmir foi caminhando sozinho. Procurou a Central do
Artesanato em Goiânia para expor suas peças, quando informaram sobre a necessidade de
emissão da Carteira Nacional do Artesão, emitida pelo Programa o Artesanato Brasileiro (PAB).
A formalização da profissão foi uma das decisões que ajudou na carreira, impulsionada pela
participação em feiras nacionais." As feiras abriram muito o horizonte, amadureci muito. A
mudança é porque quando você tem o contato com o cliente você começa a entender o
mercado, começa a fazer coisas direcionadas. Antes eram produtos mais simples."
Sempre aberto ao intercâmbio, Valmir passou a contar com orientação de vários órgãos e
programas de apoio ao artesanato através de pessoas como André Franco, superintendente de
Economia Criativa da Secretaria de Desenvolvimento Econômico do Estado de Goiás de 2011 a
2018 e Beatriz Athayde, representante do PAB e grande incentivadora da participação “dos
artesãos em feiras, o que mudou o rumo de sua trajetória. "Eles levavam os produtos com o
caminhão e pagavam os stands. Os artesãos pagavam hospedagem, alimentação e passagem
aérea." Com esse investimento, adquiriu muitos dos clientes de Minas Gerais e São Paulo que
atende até hoje.
Passados vinte anos, Valmir reconhece a importância de ter perseverado.“Desde que comecei
com a cerâmica, nunca trabalhei com outras coisas. Sempre insisti na cerâmica e sempre
sobrevivi da minha arte. Podemos viver do nosso trabalho." Da mesma forma, a esposa Lilian
também passou a produzir e nunca mais precisou trabalhar fora. Ambos fazem parte da
CATARGO - Cooperativa de Artesãos de Goiás, que vinham tentando regularizar há oito anos e
conseguiram através da ajuda de Décio Coutinho e de uma parceria com o governo do estado
através da Secretaria de Turismo do Estado.
Valmir Neves é hoje um artesão reconhecido nacionalmente com peças expostas na Central do
Artesanato de Goiás e em diversas lojas pelo Brasil - e mais recentemente em Miami. Em 2019,
através de um projeto do Sebrae, integrou uma comitiva de artesãos goianos em uma visita
técnica à feira Artigiano, em Milão, Itália, para avaliarem a possibilidade de participação em
2020. Infelizmente a pandemia os pegou de surpresa. “Foi o fato mais marcante como artesão
que aconteceu em minha trajetória, que a arte que proporcionou."
Onde cria?
Valmir é natural de São Félix do Coribe, cidade localizada no Recôncavo Baiano, banhada pelo
Rio Paraguaçu. Distante 110 km de Salvador, possui uma história profundamente ligada aos
valores culturais baianos. Com reconhecido valor patrimonial, o tombamento de seu conjunto
arquitetônico, urbanístico e paisagístico, pelo IPHAN, ocorreu em 2010. Desde 1999 Valmir
mora em Aparecida de Goiânia, Goiás, onde construiu sua história na arte e mantém sua casa,
família e atelier. Tem planos de aumentar a produção de peças e para isso está adequando o
espaço do atelier.
Os desafios, acredita que são muitos e o maior deles é unir a categoria. “Para um artesão fazer
sozinho é muito mais difícil, cada um trabalhando por si. A categoria unida ajudaria muito.”
Querem envolver mais pessoas, ensinar o ofício para a filha, mesmo que ela não exerça a
profissão. Acredita no valor cultural do trabalho, como parte de um resgate. "Quero que ela
estude mas faço questão de repassar. Sempre fiz muita oficina em escolas e tentei passar para
as crianças meu conhecimento. Não tem muita gente que faz esse tipo de trabalho,
principalmente no barroco."
Rede nacional do artesanato
cultural brasileiro
