Um toque natural: o aconchego das cestarias na decoração de interiores

Por * Lilian Caminha

Composição que faz parte de ambiente projetado por Beatriz Quinelato, que tem a proposta de criar uma decoração afetiva, para que os visitantes possamr realmente sentir o acolhimento do espaço, Foto: Raphael Briest

Imagine se sentar numa poltrona no canto da sala, com uma xícara de chá na mão e se deparar com cesto de palha com uma planta vistosa... A cena me traz aconchego! Na minha opinião, é exatamente esse o principal papel da decoração de interiores. Não tem a ver necessariamente com luxo, mas com esse carinho pra alma espalhado pela casa. Se a ideia é misturar afeto e identidade, nada parece mais atraente do que os objetos artesanais brasileiros.

Por isso, iniciamos essa série de reportagens em que vamos discutir processos criativos ligados às tipologias brasileiras e também  propostas sobre o uso do artesanato na decoração. A estreia é com um tema muito especial que costuma empolgar arquitetos e designers de interiores: a cestaria tupiniquim! As cestas tramadas à mão são peças únicas, produzidas com uma matéria-prima retirada da natureza de forma sustentável, por mãos diferentes, em lugares únicos e por isso você nunca verá uma peça exatamente igual à outra, nem no tamanho, nem tipo da trama, nem na cor do material e essa é maior riqueza dessa arte. Cada peça traz uma história entrelaçada em suas tramas.

Peças desenvolvidas pela designer Nicole Tomazi com artesãos brasileiros

Ao contrário do que pode parecer inicialmente, não precisamos de um ambiente rústico para acolher nossa cestaria. O segredo é justamente misturar! Com outros objetos, outras texturas e cores. Isso valoriza ainda mais o elemento natural que está ali naquela composição e enriquece a decoração como um todo em ambientes que podem ser elegantes e descontraídos ao mesmo tempo, conciliar referências modernistas e tribais, e elementos clássicos com peças tão originais que são capazes de trazer um calorzinho ao ambiente. 

A cestaria brasileira

A arte milenar da cestaria é uma técnica que tem origem de vários povos, tribos e culturas. Os cestos trançados eram produzidos e usados para coletar, armazenar e transportar a colheita e pequenos objetos. Nas sociedades modernas passaram a ser usados também como elemento decorativo. Um exemplo são cestos indígenas que foram adaptados e se transformaram em modernas luminárias.

Fotos de reportagem Amazônia Moderna de Zizi Carderari para Casa Cláudia.  Fotos: Marco Antonio

Seja nas produções tradicionais ou com referências mais contemporâneas. Cada tipo de fibra natural é tramado com diferentes técnicas, com os pontos mais fechados, mais abertos, cruzados, enrolados, torcidos ou em espiral, entre muitas possibilidades.

“As técnicas da cestaria são muito intuitivas e hereditárias, então não existe, necessariamente, uma maneira certa de fazer o trançado. Tudo acontece da forma que os artesãos aprenderam e da forma como são estimulados a fazer”, conta Carolina Monteiro que é a terceira geração a frente da tradicional Cestarias Regio, localizada no bairro de Pinheiros, em São Paulo, um delicioso ponto para quem quer conhecer a tradição dos trançados.

Desde 1964, quando Seu Regio abriu a primeira loja na Rua Peixoto Gomide, a família busca pelos quatro cantos do Brasil, novas cestarias, novos artesãos e novos tipos de fibras, além de desenvolverem produtos exclusivos com os artesãos de diversas regiões. Hoje a loja tem 56 anos de tradição na comercialização da cestaria.


Peças da loja Cestarias Regio, especializada em cestaria brasileira

Carolina conta que cada comunidade e cada grupo desenvolvem uma técnica diferente: “existe uma peculiaridade na cestaria. Por ser uma arte muito trabalhosa, que envolve um longo processo de produção, os trançados são sempre produzidos por grupos e não por artesãos individuais. Geralmente grupos de mulheres e que estão sempre trançando juntas”.

O ritual de criação de uma peça trançada envolve muitas etapas e um tempo específico que é o tempo das mãos. A forma como a colheita é feita é essencial para preservação da biodiversidade local e para o próprio sustento da comunidade. Muitas folhas são colhidas em mata fechada que os artesãos conhecem com a palma da mão. Se uma árvore teve suas folhas colhidas recentemente, eles escolheram outra. Em geral, se o manejo sustentável é respeitado, a cada três meses, novas folhas nascem e estão prontas para utilização.

As folhas são organizadas em feixes e carregadas até a associação geralmente em longas caminhadas em grupo. “Pra mim é uma terapia, tirar a palha na mata, ouvir os pássaros, andar na natureza. È onde a gente esquece dos problemas, onde a gente conversa, chora, dá risada, conta Eloina Soares, artesã do Grupo Copartt, de Entre Rios, na Bahia.  


Eloína Soares, artesã da Copartt, grupo que atua com trançado de piaçava no litoral baiano. Foto: Theo Grahl 

Depois desse processo, o preparo é especial para cada tipo de fibra, já que algumas precisam secar, outras são cozidas e outras, como a famosa palha de milho e o vime, necessitam ser molhados para chegarem ao ponto correto para serem trançadas. No caso dos trançados coloridos, depois desse processo, ainda acontece o tingimento por fervura, que pode ser artificial ou natural - nesse último caso em uma alquimia linda que envolve raízes e plantas locais. E só depois de todas essas etapas que a fibra está pronta para ser trançada. “O artesanato com fibra natural está presente em todas as partes do Brasil, tem o artesanato indígena, as mulheres ribeirinhas, as associações do sertão... em todos os cantos do Brasil têm esse tipo de arte”, conta a neta do Seu Regio.

Os tipos de fibras e as técnicas variam de região para região. Enquanto a Amazônia exibe fibras de imponentes palmeiras da floresta, como tucumã, arumã e tucum, o Nordeste ostenta palmeiras endêmicas do litoral, como a piaçava e o ouricuri. Nas regiões mais frias do Sul do país a estrela é o vime. Já em Minas Gerais, as fibras mais comuns são as palhas de milho e de taboa. 

Os designers e as comunidades

Atualmente, alguns designers estão fazendo trabalhos incríveis em parceria com as comunidades artesãs, para conhecerem melhor as técnicas, desenvolverem peças exclusivas e levarem essa arte para um público muito mais amplo. Em janeiro de 2019, a arquiteta Helena Camargo, fundadora do escritório H2C Arquitetura, e apaixonada pela cestaria brasileira, acompanhou de perto o trabalho da Maria Fernanda Paes Leme, fundadora do Yankatu – que viaja o Brasil pesquisando as tradições artesanais brasileiras para incorporá-las no mobiliário. Elas mergulharam em uma expedição de um mês no Pará, na comunidade Urucureá, para desenvolver uma coleção de mesas com madeira e palha, além de cestos.

Artesãos da Turiarte durante processo criativo em parceria com a designer Fernada Paes Leme da Yankatu. Foto: Marcelo Oséas

Durante esse período, Helena teve um contato bem próximo com a comunidade e acompanhou todo o processo criativo e de execução das peças, principalmente feitas em palha do tucumã, que é palmeira nativa da região.

“Eu estive lá como espectadora, para ver como era essa junção do olhar da cidade, do designer de interiores que leva um produto pra Milão e está competindo num prêmio de design, com uma comunidade artesã que está muito respaldada pelas suas técnicas, pela sua sabedoria ancestral”.

Helena fala da importância dessa união para que os designers possam levar o nome do Brasil através da arte das cestarias. “No Brasil a gente tem uma história ancestral que é passada de pai para filho, de avô para neto, e a minha intenção é que à medida que especificamos esse tipo de produto nos projetos, contribuímos para que essa história não morra, porque precisa ter o consumidor final. Se ninguém consome esse produto, esse produto deixa de ser produzido”, explica Helena.
Ela se encanta com a ideia de que existe toda uma sensibilidade, uma história e uma regionalidade do povo brasileiro, tudo isso contido em um cesto! “Quase todos os meus projetos têm alguma coisa ligada ao manual. Porque eu sinto que esse tipo de trabalho manual conecta a gente com a nossa terra, com os nossos ancestrais e até com uma relação do tempo”, diz Helena, da H2C Arquitetura.

 

Casa com cheiro de palha


Ambientes criados pela arquiteta Helena Camargo, fundadora do escritório H2C Arquitetura. Fotos Evelyn Muller


As cestas em suas diversas tipologias são perfeitas para trazer um toque natural, charme e um clima de aconchego em qualquer ambiente da casa. São cestos com alça, sem alça, redondos, quadrados, em formato de sacolas, balaios, bandejas, baús, entre outras tantas formas. Eles permitem diversas combinações e compõem a decoração de uma forma versátil, pois estão ali não só para decorar, mas para organizar e servir. No hall de entrada são perfeitos para dar às boas vindas. Sozinhos ou numa composição com outras peças de tamanhos e formatos diferentes dão charme para o primeiro ambiente da casa.

Para compor com as plantinhas, os cachepôs tramados estão em alta. Os vasinhos pequenos espalhados pelos móveis ou os cachepôs para os vasos maiores valorizam ainda mais as plantas.Além disso, são os queridinhos para quem adere a estilos como o Boho (que traz uma mistura de texturas e materiais na decoração) e o urban jungle (floresta urbana), que é tendência no mundo inteiro e tem a proposta de trazer a floresta para dentro de casa, com uma decoração repleta de plantas.

Da esq. para dir. Projeto Patrícia Ribeiro. Foto: Isadora Fabian; Projeto Doma Arquitetura. Foto Marina Orsi. Projeto e foto: Vanessa Hernandes

Na cozinha os trançados armazenam os temperos ou as frutas. As bandejas guardam os utensílios do café da manhã ou as bebidas no bar.Os cestos com capa de tecido dão um toque descontraído no ambiente.

É muito comum ver também projetos de lavanderias que ficam muito mais charmosas quando exibem cestos que organizam os prendedores de roupas, os produtos de limpeza ou escondem a roupa suja.

Da esquerda pra direita.. Ambiente Doma Arquitetura (1 e 2). Foto: Mariana Orsi  Ambiente da arquiteta  Patrícia Ribeiro (3). Foto: Isadora Fabian

Fica difícil projetar um banheiro ou um lavabo sem pensar num cestinho em algum canto. Eles podem ter uma planta ou acomodarem papel higiênico e toalhas de mão em rolos que ficam um charme.

Na sala existem inúmeras possibilidades de uso das peças artesanais tramadas. Você pode decorar uma parede com cestos de diferentes tamanhos, desenhos, cores e tramas, pode deixar um cesto ao lado do sofá com uma manta, para os dias mais frios, ou usar como porta revista.Os pequenos organizam chaves, controles remotos e outras miudezas.

Projeto Newton Lima - Foto Hudson Cavalcanti

Já no dormitório os cestos trazem uma sensação de conforto e acolhimento ainda maior. Vão bem na organização do closet, em mesas de cabeceiras e estantes.Encaixados nos nichos da marcenaria fazem às vezes das gavetas, deixando o mobiliário muito mais leve sem as portas e outros tipos de fechamentos.

Nos quartos de bebês e infantis organizam com muita delicadeza os brinquedos e objetos escolares.Os baús tramados também são uma ótima pedida para quem precisa guardar muita coisa sem carregar o ambiente.

Gosto da proximidade com a natureza e da leveza que essas peças trazem na decoração. Os cestos são bem-vindos em qualquer lugar da casa e agregam valor por por terem personalidade e resgatarem a nossas memórias coletivas em suas tramas. Quer saber onde comprar trançados brasileiros por artesãos da Rede Artesol? Confira a lista de lojas que integra a nossa Rede em todo o Brasil que atua com princípios do comércio justo. 

 

* Lilian Caminha é jornalista, designer de interiores, arquiteta em formação e apaixonada por transformar os espaços e a vida de quem os ocupa

 

 

 

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