
Mestre Wal - Joaquim Valdeides Carvalho

AS MÃOS QUE CRIAM, CRIAM O QUE?
Jóias nativas. Produzidas artesanalmente a partir da técnica da filigrana, desenvolvida em
tempos remotos por civilizações do Mediterrâneo, que graças a colonizadores fenícios chegou
a Portugal e de lá veio rumo ao Brasil. Acredita-se que chegou a Natividade no período da
corrida ao ouro. Poucas décadas bastaram para que o metal se esgotasse mas ainda hoje
garimpeiros seguem obstinados na busca pelas poucas gramas de minério ocultas no interior
das algumas serras. É o que alimenta uma outra atividade tradicional da região, herança
portuguesa da joalheria artesanal em filigrana.
O ouro é separado da prata pelos garimpeiros (já que costumam estar associados) e mais tarde
são unidos novamente, desta vez pelos artesãos - na forma de ligas. O ouro puro é muito
maleável, possibilitando deformações nas jóias, o que não é adequado ou desejado. O ouro em
pó ou grãos é derretido na oficina com o uso de maçaricos e é derramado em moldes na forma
de linguetas. A laminação vem a seguir. A partir de laminas muito estreitas são produzidos os
fios igualmente sutis. Torcidos dois a dois, e achatados, apresentam o acabamento serrilhado
tão característico da técnica. O caixilho da jóias - em formato de coração, flor ou outro
elemento - é preenchido por “ bordados” feitos com os fios duplos. Por fim os diversos
elementos são fixados com solda. Uma técnica que exige perícia e muita paciência.
As jóias de Natividade são inspiradas nos desenhos tradicionais de origem portuguesa,
africana, árabe, indiana. Muitos foram herdados das tradições portuguesas como a flor de
maracujá, o coração de filigrana, o anel escravo e hoje sofrem com as falsificações e tentativas
de patente ilegítima. Algumas coleções também partem de inspiração na arquitetura e nos
elementos iconográficos da cidade - um elo de ligação entre o resgate dos traços tradicionais
encontrados nas fachadas, portas e janelas e um olhar mais contemporâneo e sintético.
QUEM CRIA?
O ourives Joaquim Valdeídes Carvalho, mais conhecido como mestre Wal, começou sua historia junto a tradição do ouro e da filigrana em 1980. Mas, circunstancialmente, não em Natividade. Seguindo o sonho do nativitano - que é ir pra Goiânia estudar - Mestre Wal partiu da terra natal rumo à capital de Goiás. Acabou sem conseguir se dedicar aos estudos pois trabalhava em uma joalheria durante o dia e aprendia sobre a "nova arte" à noite. Aos poucos aproximou-se de outros conterrâneos, também aprendizes da tradição aurífera, incluindo Biso, colega de ofício e hoje reconhecido mestre-artesão.
Adquiriu a técnica com Jesumar, discípulo de Mestre Juvenal Cerqueira, ourives renomado cuja
sobrinha-neta Simone Camêlo Araújo lhe prometera manter viva a tradição das jóias. E assim o
fez ao retornar para a cidade em 1990. No ano de 1991, Wal e Biso estavam de volta, agora
com conhecimentos na arte da ourivesaria. Bastava conhecerem as nuances da desafiadora
técnica da filigrana: “Aprendendo uma no rumo, outra no prumo.” Wal casou-se, teve duas
filhas, progrediu no ofício e certo dia foi procurado por Simone. Graduada em economia, com
pós-graduação em cooperativismo e experiencia no governo de Goiás, ela começava a liderar o
movimento que daria inicio a ASCCUNA - Associação Comunitária Cultural de Natividade, cujo
projeto prioritário era a Oficina Mestre Juvenal, uma oficina educacional voltada a manter e
transmitir o modo de fazer das tradicionais joias de Natividade a jovens da comunidade,
priorizando os mais carentes. Queria aliar o resgate, a preservação, a geração de renda e a
sustentabilidade no repasse do saber tradicional às novas gerações. "Simone sempre quis
aprender, mas ele não ensinava mulher. Então ela ficava criando na janela."
E convidou mestre Wal para colaborar, junto com mestre Biso. Transmitiram suas técnicas da
ourivesaria a jovens aprendizes através de uma oficina-escola que contou com o apoio de
diversos parceiros incluindo o Governo do Estado, o IPHAN e governos de outros países como
Canadá, Inglaterra e Portugal. Em um ofício onde ourives antigos eram formados de pai para
filho mestre Wal pôde transmiti-lo a mais de 42 jovens, uma tarefa que exige um tempo
mínimo de três anos. Hoje a Ourivesaria Mestre Juvenal possui dez integrantes sob seu
comando. O ourives José Leal, seu aprendiz no ano de 1998, se tornou mestre e colabora
repassando conhecimento a outros jovens. "Ensinar é uma arte mas sem apoio é muito difícil”.
Participaram em 2003 do projeto Artesanato Brasil com Design da Caixa Econômica Federal e
em 2004 do Programa de Preservação do Patrimônio Cultural Monumenta – uma parceria da
UNESCO com a Fundação Cultural do Tocantins. Mestre Wal já exportou para EUA, Inglaterra,
França, Portugal. Reconhecido com o titulo de mestre-artesão, Mestre Wal foi contemplado no
Edital de Cultura 2011 – Prêmio Mestre Juvenal, promovido pelo Estado do Tocantins que apoia
mestres de cultura popular tradicional.
ONDE CRIA?
Natividade significa nascimento. A cidade é onde se deu o início de tudo, da corrida ao ouro na
Província de Goyaz no século XVIII à tradição da raríssima técnica da filigrana. Conservou-se
como arraial durante quase 100 anos e só foi elevada à categoria de vila em 1833. Tombada
como Patrimônio Histórico Nacional pelo seu conjunto arquitetônico, paisagístico e urbanístico,
é uma das 7 Maravilhas do Patrimônio Arquitetônico do Brasil. No centro histórico está o
conjunto com uma estrutura urbana colonial, ruas irregulares destacadas pela simplicidade e
proporção do casario. Berço de um povo com uma memória cultural de quase 300 anos onde
se gera e cultiva a miscigenação de raças e culturas.
Localizada na região sudeste do Tocantins, a 218 km da capital Palmas, reúne atualmente uma
população de aproximadamente 10 mil habitantes. Existem hoje outras ourivesarias mas a
Mestre Juvenal é a mais importante. Infelizmente suas joias ainda não possuemSelo de
Indicação Geográfica (IG) que remete um produto à localização de origem e à suas condições
especiais de fabricação o que lhes atribui reputação, valor intrínseco e identidade própria e
permite que os consumidores tenham a certeza de estarem adquirindo um produto
diferenciado pela qualidade da sua procedência, além de valorizar a cultura local e fomentar
atividades turísticas.
Um recurso que garantiria maior reconhecimento à um patrimônio secular, cujo berço,
possivelmente no território português de Gondomar, nos forneceu uma linhagem de exímios
artesãos, sucessora de ourives portugueses. "Mestre Juvenal fazia, mas era meio grosseira a
joia dele. Mas também nem pode exigir muito dele, se você visse as ferramentas que ele
trabalhava. Soldava soprando com um caninho de mamona. De maçarico usava candeia de
azeite. Ele fundia ouro do fole num carrinho de madeira. Quando o maçarico apareceu, ele
trabalhou no máximo 8 anos. Se aquele senhor conhecesse as ferramentas que usamos hoje...”
Rede nacional do artesanato
cultural brasileiro
