Qual a relação entre o artesanato e o ESG?

A partir da sua experiência atuando à frente do Programa do Artesanato Brasileiro em Alagoas, Daniela Vasconcelos faz uma reflexão sobre a produção artesanal e seu fazer sustentável no Brasil
Daniela Vasconcelos

A prática artesanal no Brasil é marcada pelo manejo sustentável das matérias-primas. Foto: Felipe Brasil

A produção artesanal do Brasil, em sua grande parte, se configura através da atuação das famílias de artesãos, artistas populares e mestres que trabalham individual ou coletivamente, buscando manter vivo um legado que atravessa gerações, reverberando sua identidade regional e transformando o ofício em geração de renda para toda uma comunidade.
 
Percorrendo o território alagoano nos últimos oito anos, me dediquei a conhecer, identificar e, acima de tudo, aprender com a história e a realidade de cada artesão e sua dinâmica de produção, que envolve a estruturação de negócios socialmente inclusivos e com vocação sustentável.
 
Esse entendimento me faz refletir sobre duas questões: a primeira é a relação do artesanato com o movimento ESG.  A sigla de Environmental, Social and Governance que, em português, significa ambiental, social e governança, faz referência às boas práticas de um negócio. Guiadas por esses pilares, atualmente, grandes empresas buscam uma agenda mais sustentável e social em suas mais diferentes práticas.
 
Por isso, estar vinculado a esses valores demonstra a importância da atividade artesanal para o desenvolvimento socioeconômico e a posiciona dentro do mercado com gestão e visão de futuro.
 
 

Associação Mulheres de Fibra reaproveita a fibra de bananeira para a confecção de diversas peças de artesanato. Foto: Felipe Brasil

Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU
 
A segunda relação possível a ser feita é com a agenda 2030 da Organização das Nações Unidas – ONU, que afirma que “para pôr o mundo em um caminho sustentável, é preciso tomar medidas ousadas e transformadoras”. Dentre os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável estabelecidos pela organização, podemos vincular pelo menos 5 ao desenvolvimento da atividade artesanal: a Erradicação da pobreza (ODS1), o Trabalho decente e crescimento econômico (ODS8), as Cidades e comunidades sustentáveis (ODS11), o Consumo e produção responsáveis (ODS12) e as Parcerias e meios de implementação (ODS17).
 
Considerando a atual gestão pública e as políticas executadas através do Programa do Artesanato Brasileiro (PAB), que está vinculado ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic), essas iniciativas estão em consonância com a agenda proposta pelo programa através do Projeto de Estruturação do Sistema de Gestão do Artesanato Brasileiro: Diagnóstico e Planejamento Estratégico.
 
Vale lembrar que o Brasil é rico em matéria-prima de origem natural, o maior capital da produção artesanal, e isso se intensifica através das várias técnicas que se utilizam da madeira, do barro e das fibras vegetais. Todas essas matérias-primas estão diretamente ligadas a tradições culturais, agregando valor aos saberes ancestrais e gerando renda para diversas comunidades no Brasil. Em contrapartida, temos o talento iminente de novas produções que vem ocupando cada vez mais espaço, se utilizando de materiais oriundos do descarte e reaproveitamento de resíduos sólidos para desenvolver produtos sustentáveis e mais contemporâneos.

 

Aldeia Kariri Xocó em Alagoas. Foto: Felipe Brasil

Socialmente falando, os núcleos de produção artesanal se apresentam, em sua grande maioria, dentro de famílias que vem, através de gerações, repassando seus ofícios e mantendo viva a identidade herdada. Muitas dessas famílias veem diariamente a falta de interesse de seus membros mais novos em dar continuidade ao ofício. Essa nova geração viu de perto seus antepassados dedicarem uma vida inteira à atividade artesanal e mesmo com pouco acesso à educação básica, ainda ensinam sobre criatividade, tradição, transmissão de costumes e empoderamento regional. São mestres e artistas populares com um grande ativo – saberes e histórias – que lutam para manter viva expressões autênticas que representam uma das mais importantes manifestações culturais do país.
 
A promoção e estímulo à produção vem numa crescente valorização por parte do mercado consumidor relacionado ao feito à mão, porém, a gestão dessa demanda nem sempre atende aos critérios e exigências ideais para se conduzir um negócio de impacto social e ambiental. Para que os atores envolvidos enxerguem essas características na sua atividade é necessário estar dentro das comunidades, olhar de perto suas potencialidades e identificar as competências dos seus membros. Só assim pode se estruturar o desenvolvimento dessa geração e das próximas que virão.
 

 

Na cadeira do Mestre Jasson, cdiado com galhos recolhidos na caatinga. Foto: Jhonatan Lins

Esse desafio começa com o desenvolvimento de metodologias que garantam a certificação socioambiental sem perder as características da produção artesanal tradicional, transformado a gestão dentro das comunidades com iniciativas para uma produção inteligente e consciente. Ou seja, apostar em políticas públicas que amparem e estimulem o setor e que adotem medidas que guie o segmento desde a produção até a abertura de mercado. Com isso, saberemos qual o modelo de gestão ideal para esses negócios e quais ações precisam ser colocadas em prática para que essas produções artesanais estejam atentas a sua responsabilidade ambiental, social e que levem a sério a gestão. Esse é o caminho para o futuro da atividade artesanal!
Sobre o autor

Daniela Vasconcelos

Daniela Vasconcelos é formada em Marketing, com ampla experiência em elaboração e gestão de planejamento estratégico, projetos e curadoria dos segmentos de artesanato e arte popular.
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