Princípios

CONHEÇA OS PRINCÍPIOS

O Comércio Justo é um movimento mundial que tem o objetivo de criar oportunidades para os produtores que são economicamente desfavorecidos ou marginalizados pelo sistema de comércio convencional.

1. CRIAÇÃO DE OPORTUNIDADES

Grande parte dos países em desenvolvimento se localiza no Hemisfério Sul, ou seja, abaixo da linha do Equador (um limite imaginário que divide o globo terrestre ao meio). Neste hemisfério, está concentrada uma diversidade de pequenos produtores, e o movimento do Comércio Justo surgiu como respaldo a essas pessoas e iniciativas, para que possam se beneficiar de maneira justa e sem exploração das práticas de comércio.

Criar oportunidades significa permitir que a população encontre recursos para se desenvolver e sustentar suas famílias em sua comunidade, tornando desnecessária a migração para grandes centros urbanos. É aproveitar as potencialidades naturais e os saberes locais dos indivíduos, organizá-los em grupos produtivos para a partir daí criar um ofício que se transforme em oportunidade de trabalho e conseqüente geração de renda.

O Comércio Justo objetiva melhorar as condições de vida do produtor a partir da comercialização dos produtos. Quando falamos de condições de vida, falamos tanto da vida familiar quanto da vida de artesão. Na vida familiar, a renda obtida com a comercialização possibilita melhorar a alimentação, cuidar da saúde e da higiene da família, construir ou reformar a casa, comprar eletrodomésticos, pagar contas, etc. Na vida de artesão, a divulgação do trabalho permite que o artesão tenha uma remuneração justa e seja reconhecido pelo seu saber e trabalho.

Por meio do artesanato, o Polo Veredas, formado pelas associações de Bonfinópolis, Natalândia, Riachinho, Sagarana e Uruana (Minas Gerais) tem a oportunidade de obter renda com a comercialização do artesanato de tradição e também divulgar suas tradições culturais (canto e dança), alcançando visibilidade para além do Estado.

A boneca Esperança ganhou notoriedade quando os Irmãos Campana, renomados designers brasileiros, desenvolveram em 2002 a “cadeira multidão”, abrindo espaço para que a Associação de Artesãos de Sítio Riacho Fundo/PB divulgasse seu trabalho. A cadeira, que era revestida pelas bonecas, circulou por galerias de arte, exposições e lojas especializadas no mundo inteiro.

2. TRANSPARÊNCIA

A transparência é importante para que sejam construídas relações de confiança entre produtores, fornecedores e compradores. Uma forma de conquistá-la é por meio de uma comunicação clara e aberta entre os envolvidos na cadeia de comercialização.

Destacamos a importância das associações fornecerem a todos os associados o conhecimento de seu funcionamento, além de convidá-los a participar do gerenciamento de seus controles e registros, do processo de produção, da relação comercial e principalmente da tomada de decisões.

Na Associação dos Artesãos de Pitombeira/PE, existe um acordo entre as artesãs de que todas as atividades de organização ou produção sejam divididas igualmente entre cada uma delas. A associação também possui controle de encomendas, registro da produção e controle de repasse dos lucros. Na relação com clientes, procuram manter contatos periódicos tanto por telefone quanto por internet.

3. PRÁTICAS DE NEGOCIAÇÃO

O relacionamento entre produtor e comprador sempre deve ser baseado na confiança, na transparência e no respeito, como forma de manter relações comerciais fiéis e duradouras. Para que isso seja garantido, todas as questões que concernem a produto (encomenda, negociação, produção e entrega) devem ser tratadas sempre com muita clareza, antecedência e veracidade, pois dessa forma é possível evitar problemas e tomar decisões que não prejudiquem as partes envolvidas.

É preciso ter comprometimento. Entregar os produtos no prazo e com a qualidade e especificações desejadas é obrigação das associações, que ao assumirem uma encomenda fazem um acordo verbal e consensual de expectativas. Cumprir com este contrato pode representar vendas futuras e possibilidade de atrair outros consumidores. A melhor forma de garantir vendas durante todo o ano é executando as etapas do processo comercial de maneira responsável.

A Associação de Artesãos de Sítio Riacho Fundo/PB é bem articulada e tem grande experiência comercial. Como sabem da importância da confiança para manter relações comerciais duradouras, as artesãs procuram tratar com clareza todas as questões que envolvem encomenda, negociação, produção e entrega. Também é prática comum na associação contatar periodicamente seus clientes para oferecer seus produtos e divulgar as novidades.

4. PREÇO JUSTO

Um preço justo, no contexto regional ou local, é aquele que foi acordado através do diálogo e da participação. Além de cobrir os custos de produção e permitir uma produção socialmente justa e ambientalmente racional, também garante que as condições de vida dos produtores melhorem. Entendemos por preço justo aquele que oferece um remuneração justa para os produtores e leva em conta o princípio da igualdade de ganho para mulheres e homens.

Mas é preciso fazer uma consideração: o preço justo também deve ser justo para quem paga. Quando o comprador entende qual é a base que o artesão usou para calcular o preço de seu produto, o pagamento do preço justo é natural, pois ele reconhece que não está sendo explorado. Assim, no cálculo do preço justo não pode haver abuso nem aumento dos custos para encarecer o preço final do produto.

O fundamental do preço justo é garantir o respeito na cadeia: remunerar justamente quem produz e cobrar justamente de quem consome.

Os preços praticados pela Associação dos Artesãos de Massaranduba – RN (ARTMAR) são baseados nas oficinas de formação de preços das quais o grupo participou, e são adotados inclusive em novos produtos. Este preço, que contempla os custos com insumos e mão-de-obra, é atualizado mediante reajustes no salário mínimo.

5. NÃO AO TRABALHO INFANTIL

É preciso deixar clara a diferença entre repasse do saber e exploração do trabalho infantil.

Desde crianças, estamos acostumados a aprender ofícios praticados por nossos parentes mais velhos, como o artesanato.  Ao observar os avós, tios ou mães fazerem trançado, ou cerâmica, ou fiação, esse aprendizado é quase uma brincadeira e faz parte da vida familiar. Essa transmissão de conhecimento de mãe para filho, que chamamos de repasse do saber, faz parte da tradição das comunidades e é importante na preservação da cultura de um povo.

No entanto, esse saber artesanal das crianças não pode ser utilizado em hipótese alguma pelos mais velhos como forma de obter renda, pois isso se caracteriza como exploração do trabalho infantil. A criança não deve ser obrigada a produzir artesanato para ser comercializado, pois segundo as leis nacionais e internacionais de proteção à infância, toda criança tem o direito de estudar e brincar, em primeiro lugar.

Na Associação dos Produtores de Cerâmica de Coqueiros/BA, assim como na maioria das outras associações, os artesãos aprendem o saber-fazer tradicional com suas mães e avós ainda quando crianças. Este repasse do saber é importante para preservar a tradição da comunidade, mas os artesãos têm conhecimento de que partes do processo de produção, como a queima da cerâmica, não devem ser feitas por crianças devido ao esforço físico despendido.

6. IGUALDADE DE GÊNERO

A igualdade de gêneros trata da igualdade de direitos entre homens e mulheres: é essencial que todas as pessoas envolvidas na cadeia comercial tenham a mesma importância, o mesmo valor e a mesma condição, independente do sexo.

Um exemplo da conquista deste princípio é que, na maioria das associações de artesanato, as lideranças são formadas principalmente por mulheres e, em muitos casos, a associação é composta somente por elas, que definem processos de produção, gestão, comercialização, sendo a divisão de tarefas definida de acordo com suas capacidades.

Além das questões de gênero, a prática do Comércio Justo deve promover entre todas as pessoas e entidades a ela ligadas a não-discriminação baseada em raça, religião, posição política, procedência social, naturalidade, escolha sexual, estado civil e/ou portadores de necessidades especiais.

A Associação dos Artesãos de Riacho Fundo/PB conta com homens e mulheres em sua composição. A resistência dos homens no início da atividade logo foi enfraquecida quando o artesanato se mostrou lucrativo e atraente para o complemento da renda familiar.

Na Companhia de Bordado de Entremontes/AL, a atividade artesanal é praticada apenas por mulheres. Na associação, as mulheres assumem todas as tarefas, e a remuneração é baseada na produção de cada uma. Diferentemente de outras comunidades, as mulheres não enfrentam problemas com seus familiares, principalmente os maridos, quanto ao ofício do artesanato.

7. BOAS CONDIÇÕES DE TRABALHO

O aumento da renda contribui para melhorar o ambiente de trabalho dos artesãos. Assim, é possível aprimorar as condições da sede para torná-la segura e adequada para o trabalho, comprar ou reformar os espaços que atendam às necessidades da associação (sala de produção, comercialização, estoque, banheiros) e cuidar de sua manutenção.

A prática do Comércio Justo deve garantir condições dignas de trabalho e remuneração, bem como equilíbrio e respeito nas relações entre os diversos atores, visando à sustentabilidade econômica, socioambiental e à qualidade do produto em toda a cadeia de produção.

No início, a Associação dos Artesãos em Trançados da Ilha Grande de Santa Isabel/PI não tinha sede e os artesãos se reuniam na casa de um deles. Hoje, a associação possui sede própria, construída com seus recursos e conquistada através de mutirões. O espaço, que é aberto à visitação, conta com ambientes definidos para produção, comercialização, estoque, tingimento da palha e secagem.

A sede da Associação de Artesãos de Porto do Sauípe/BA, construída com o apoio de parceiros, é visitada por clientes em todas as épocas do ano, principalmente durante o verão. Conta com amplos espaços para produção, estocagem, reuniões e comercialização e com equipamentos em ótimo estado. A manutenção e o controle de qualidade dos equipamentos de produção são feitos pelo próprio grupo.

8. DESENVOLVIMENTO DOS PRODUTORES

Para que a associação se desenvolva, os artesãos precisam se aprimorar. Esse aprimoramento é obtido com o desenvolvimento de habilidades através da participação em oficinas e atividades de capacitação. O reforço das capacidades organizativas, produtivas e comerciais dos produtores é dado através de formação, aconselhamento técnico, pesquisa de mercados e desenvolvimento de novos produtos.

As oficinas de aprimoramento de produtos, que cuidam do acabamento, medidas, cores e modelos são importantes para manter a qualidade do trabalho e atender às necessidades do mercado. Já as oficinas de trabalho coletivo e gestão associativa abordam a importância do trabalho em grupo, a organização da associação, os controles e registros adequados e transparentes.

Outro aspecto fundamental é que os artesãos saibam divulgar o trabalho e os produtos desenvolvidos na associação para manter e conquistar novos clientes. Assim, são estabelecidas relações comerciais estáveis de longo prazo, garantindo a sustentabilidade financeira da associação.

As artesãs da Associação para o Desenvolvimento de Renda de Divina Pastora/SE (ASDEREN) já são capacitadas em desenvolvimento de produtos, gestão associativa, formação de preços e trabalho coletivo. Atualmente, existe um plano de salvaguarda a fim de manter a tradição da prática artesanal da renda irlandesa, com base no reconhecimento desse saber fazer como patrimônio imaterial  pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional ( IPHAN).

A Associação das Artesãs de Santarém/PA (ASSARISAN) já participou de diversas capacitações para aprimorar o trabalho artesanal e a gestão de sua associação. Atualmente, a ASSARISAN está se preparando para ser também um destino turístico, participando de um projeto voltado ao turismo de base comunitária. Assim, a associação ampliará não só seus conhecimentos, mas também suas oportunidades de geração de renda.

9. PROMOÇÃO DO COMÉRCIO JUSTO

Sabemos que nem todos os compradores ou clientes entendem ou reconhecem o pagamento do preço justo ao artesão, não é? Então, é preciso dizer: cada um que faz parte do Comércio Justo precisa ser porta-voz de sua própria organização e dos princípios do Comércio Justo, pois com a sua divulgação, mais pessoas conhecerão seu significado e sua importância para o comércio em geral. Fortalecer  o movimento do comércio justo é conscientizar a sociedade de que as regras e práticas do comércio precisam mudar para que todos possam ser beneficiados.

Para isso, cada um dos envolvidos com o Comércio Justo tem um papel. Aos produtores, cabe o fornecimento de informação ao consumidor sobre os objetivos do movimento, a origem dos produtos ou serviços e a estrutura do preço. Os intermediários devem promover atividades de sensibilização e campanhas junto aos consumidores (para realçar o impacto das suas decisões de compra) e junto das organizações (para provocar mudanças nas regras e práticas do comércio internacional). Já os consumidores podem envolver seu círculo social na proposta do Comércio Justo ao estimularem compras solidárias e indicarem pontos de venda adeptos ao movimento.

A Associação dos Artesãos de Massaranduba/RN (ARTMAR) participa de eventos relacionados ao artesanato e à Economia Solidária tanto no Brasil quanto no exterior. A ARTMAR já esteve presente em seminários na Bolívia e na Espanha divulgando seu trabalho e sua tradição.

10. SUSTENTABILIDADE

Hoje em dia, é comum ouvirmos falar sobre preservação do meio ambiente, sustentabilidade, manejo da matéria-prima. Mas o que isso tudo tem a ver com a atividade artesanal e o Comércio Justo?

A preocupação com a manutenção do meio ambiente fez com que o Comércio Justo entendesse que é fundamental a tomada de medidas para preservar a natureza. É por isso que as orientações sobre educação ambiental e as oficinas de manejo sustentável da matéria-prima são tão importantes para que os artesãos, principalmente aqueles que utilizam matérias-primas naturais, como fibras e frutos, tenham consciência e saibam manejar corretamente os recursos da natureza, tanto na retirada quanto no descarte, evitando assim a extinção das espécies.

Na Associação de Artesãos de Uruana de Minas “Cores do Cerrado” – MG, o algodão utilizado na produção é manejado de forma sustentável, não polui nem utiliza insumos que prejudiquem o meio ambiente. O corante utilizado nos fios também é natural, proveniente de cascas de alimentos e folhasA preservação do meio ambiente também é essencial para que a produção do artesanato não seja afetada com a falta de matéria-prima, tornando desnecessária a compra ou obtenção de insumos em lugares distantes ou até mesmo a interrupção da produção.

A Associação dos Artesãos de Urucuia – MG que trabalha com buriti, e a Associação dos Artesãos do Bairro de São Vicente de Paula – PI que trabalha com carnaúba, têm a mesma preocupação; cientes das técnicas de manejo sustentável da matéria-prima, retiram das palmeiras apenas as partes que não prejudicam o seu crescimento e que não danificam a árvore.

A Associação dos Artesãos de Pitombeira – PE contribui para preservação do meio ambiente ao utilizar a fibra da bananeira como matéria-prima principal. As fibras correspondem aos talos que naturalmente seriam descartados, o que evita o apodrecimento dos mesmos e a emissão de gases, como o metano, que potencializam o aquecimento global.

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