
Grupo Amigas Rendeiras da Armação
As mãos que criam, ciram o que?
Com a trama da renda da terra,
Que a rendeira rebate e retorce e
pontilha os espinhos,
Na ânsia de endurecer a graça
petulante de uma traça,
no afã de alinhar mais o trocado
do ponto de filó,
e sai tão fina, tão delicada,
tão perfeita,
que vocês,
mandam buscá-la aqui, na
barraquinha anônima das várzeas,
para ostentá-la, depois,
no meio do seu luxo...
Renda da terra - Rachel de Queiroz
A renda de bilro é uma expressão muito comum no litoral brasileiro, especialmente no Nordeste e Santa Catarina, onde representa um importante elemento de identidade do estado. O seu nome se deve aos instrumentos utilizados para tecer, os chamados bilros, hastes cilíndricas de madeira que são utilizados aos pares. È nele onde a linha é enrolada para a confecção da trama. Na prática, a renda é produzida com um movimento ágil das mãos das artesãs que trançam as peças de madeira no ar, como em um balé de fios. O ritual é ritual é embalado pelas batidas ritmadas da madeira que resulta em um trabalho extremamente delicado.
A base que serve de suporte para a produção da trama também é feita de madeira e coberta com uma almofada de algodão onde se prende o piquete, molde da renda com os desenhos que vão ser tramados. O artefato costuma ser herdado das mães e avós ou produzidos pelos maridos e fica ancorado em um cavalete para a produção.
As peças mais tradicionalmente confeccionadas pelas rendeiras de Florianópolis são toalhas de bandeja, porta-copos, caminhos de mesa e peças para se utilizar em roupas, tais como golas e outras aplicações. Há também peças maiores como colchas de cama e toalhas de mesa que geralmente são criadas sob encomenda.
Quem cria?
A expressão da renda de bilro se mantém viva há quase três séculos no estado de Santa Catarina por meio da transmissão da técnica no ambiente familiar de geração em geração. No passado, cabia às mulheres mais experientes da casa, mães, avós, primas e irmãs mais velhas a tarefa de ensinar a prática às mais novas. Com as transformações socioeconômicas dos últimos séculos, em que os trabalhos manuais perderam espaço para outras atividades no mercado de trabalho, a tradição foi sendo aos poucos esquecida. Hoje, porém, os cursos ministrados em espaços como o Casarão Bento Silvério tem atraído mulheres de diferentes classes sociais, jovens e turistas que admiram a técnica por sua beleza e relevância cultural. As artesãs da Associação Ilha Rendada costumam produzir de forma individual, mas a atividade da renda proporciona uma experiência de socialização, porque muitas mulheres costumam se reunir para trabalhar, trocar saberes e hostórias cotidianas.
Onde criam?
Foto: Renata Mendes
Os primeiros pontos das rendas de bilros começaram a ser tramados provavelmente há cerca de 500 anos, ainda no final do século XV. Flandres e Itália disputam a origem das técnica, mas, controvérsias à parte, o certo é que até hoje essa delicada arte é produzida, em menor escala, em diversos países, como Bélgica, Espanha, China, República Checa, Itália, Portugal, Argentina e Brasil.
Durante muito tempo, as rendas foram, juntamente com a pesca e a agricultura, uma das principais atividades econômicas de Florianópolis. As rendeiras da cidade herdaram a tradição dos imigrantes açorianos que chegaram no século XVIII e hoje estão espalhadas por toda a ilha, especialmente na praia da Armação, um recanto entre o mar e a frondosa Mata Atlântica, no sul da cidade, e também na costa da charmosa Lagoa da Conceição. Lá elas dão nome à principal avenida do bairro, a Avenida das Rendeiras.
O lugar cativo das artesãs é o Casarão Cultural Bento Silvério, que abriga o Centro de Referência da Renda de Bilro. Aberto a veteranas ou iniciantes, o espaço mantido pela Fundação Cultural Franklin Cascaes abriga exposição de peças e apetrechos, loja de comercialização para turistas, cursos e oficinas semanais. A proposta é proporcionar a reciclagem, a troca de informações e a modernização do trabalho e ainda estimular pesquisas nas áreas de moda e design focadas na técnica para valorizar a tradição secular. As atividades do Centro de Referência da Renda de Bilro não ficam restritas ao Casarão da Lagoa, outras comunidades como Sambaqui, Pântano do Sul, Rio Vermelho e Estreito são beneficiadas com oficinas de renda de bilro e um curso de gestão para as rendeiras.
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