O design da floresta

Texto: Camila Fróis

José Garcia e suas luminárias de arumã/ Crédito: Sérgio Matos

Três a quatro dias de barco, um voo e três linhas do metrô separam o amazonense José Garcia Pinto (28) da Avenida Paulista. Apesar da viagem complexa, o coração financeiro de São Paulo foi o endereço escolhido pelo indígena de São Gabriel da Cachoeira (AM) para se hospedar nas últimas “férias”, quando ele nos concedeu a entrevista para essa reportagem. “Vim só para passear mesmo, tirar uns dias de folga, ver as coisas diferentes da cidade” conta ‘Zé Garcia’, como prefere ser chamado.  As férias, mesmo que em um destino pouco usual, são merecidas já que José, que é artesão, tem viajado para diversas feiras do país para comercializar suas peças, objetos de cestaria trançados com a fibra de arumã. “Eu venho sempre para participar dos eventos e rodadas de negócio, mas não tenho tempo de nada”, ele explica.

 Nascido e criado numa região isolada da selva amazônica na comunidade de Areal, Zé herdou da sua etnia kuripako uma língua própria com a qual se comunicava até a adolescência, quando ainda tinha medo de branco, segundo ele. Além do idioma, entre outros saberes e costumes comuns dos povos do Alto Rio Negro, ele aprendeu com sua comunidade o manejo da mata e a técnica do trançado.

Com a fibra de arumã, palmeira nativa encontrada nos igarapés, a etnia de José Garcia produz o  artesanato que está presente no seu dia a dia, principalmente na preparação de alimentos, como o tipiti, com o qual espremem a massa da mandioca, além das peneiras, abanos e cestos de diferentes formas e tamanhos, chamados de urutu. São todos objetos centrais na vida dos povos que vivem na região. O município de São Gabriel da Cachoeira, onde está o grupo de Zé Garcia possui a maior proporção de indígenas do Brasil. Mais de 75% de sua população pertence a 23 etnias diferentes.

O Brasil Original e o artesanato indígena

Em 2015, José participou de um programa de capacitação do Sebrae, o Brasil Original, O Programa tem como foco valorizar os artesãos indígenas e ribeirinhos de todo o Brasil, capacitando-os para melhorias técnicas nos produtos, novos métodos de fabricação e até a gestão de negócios e ações de mercado.

Hoje, José Garcia produz cestos, bolsas e elegantes luminárias que são comercializadas em São Paulo, Rio de Janeiro, Florianópolis e outras capitais do País. A luminária Kuripaco, que é o carro chefe das vendas, é um dos resultados do processo de inovação que aconteceu durante a intervenção do designer Sérgio Matos, hoje um dos maiores nomes do design brasileiro. Com a criação de uma coleção de peças focadas na tendência de mercado de decoração, José Garcia criou a marca Arumã, um ateliê e loja em São Gabriel da Cachoeira, a cerca de 860 km de Manaus, e comercializa peças para São Paulo, Rio de Janeiro e outras capitais do país.

O processo de capacitação foi fundamental pra tornar a atividade tradicional rentável. José conta que já chegou a vender peças por R$ 2,00 para sobreviver.  “Tinha vezes que as vendas do mês não chegavam nem perto dos duzentos reais e eu era obrigado a trocar meus produtos por comida. Era muito sofrido. Pensei em desistir várias vezes”, relata. Atualmente, o artesão tem um faturamento de aproximadamente R$ 1.900,00 e suas peças já foram parar até na celebrada revista Casa Vogue.

O design que revela a cultura

Segundo Sérgio Matos, apesar do foco em fortalecimento da comercialização, o processo de capacitação tem muitas etapas e preza por um cuidado na relação com a tradição.

“Na Amazônia, especialmente, tudo é muito delicado. Precisamos entrar com muito respeito, com muita conversa, com muita escuta e com um olhar apurado, porque estamos falando de uma culural ancestral, que precisa se sobressair acima de tudo”, comenta o designer.

“Os usos do artesanato na perspectiva do consumidor são muito distantes da realidade local. Então, a proposta é preservar a estética da floresta, mas adaptar o uso de acordo com o público nacional”, conta Sérgio.  

O projeto também capacitou José para um processo produtivo contínuo, onde ele pudesse atender a demanda do mercado e ensinar a sua metodologia de produção para os moradores da Comunidade do Areal, onde vive até hoje.

Segundo Sérgio Matos, mais do qeu o design arrojado, o que encanta é essência e personalidade dos objetos. “Há mais do que formas e texturas que definem vasos, luminárias e fruteiras. Os produtos com inspirações colhidas do entorno carregam valores simbólicos e extravasam sentimentos. Contêm o calor das mãos de quem as executou; as histórias que tecem o fazer artesanal; o olhar atento; expectativas e sonhos que nascem a partir da fusão do artesanato com o design”, avalia.

Conheça os objetos da marca no site Arumã.
 

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Texto: Camila Fróis

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