Brasil, essencialmente diverso: o artesanato brasileiro na semana do design em Milão

Entre os dias 08 e 14 de abril, mostra revelou os destaques da produção artesanal brasileira no maior evento de design do mundo
 Por: Camila Natalino Fróis

Frutas entalhadas em madeira por artesãos do Grupo Capitão das Fibras de Capitão Enéas (MG)  e pinhas de cerâmica de Cabo de Santo Agostinho (PE)

Tatear a memória afetiva do nosso país, tão louvado pela riqueza de misturas. Aludir aos seus elementos essenciais, desde a natureza até os sítios arqueológicos e os povos que nos formam: os indígenas, os europeus e os negros.”

Com essa proposta, a curadora Joice Joppert, da Associação Objeto Brasil, aceitou o desafio de apresentar, na Itália, a essência diversa da estética brasileira através de uma narrativa criada com objetos que carregam memórias, sentidos e manifestos relacionados as raízes culturais do país. Para isso, a ela contou com um espaço de 2 mil m² na celebrada Semana do Design de Milão, grande vitrine mundial que é reconhecidamente consagradora de tendências do segmento. A participação do Brasil na semana foi promovida pela Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil) em parceria com o Consulado-Geral do Brasil 

Foto: Divulgação

"Através da ação dos órgãos, o Brasil ocupou o sofisticado Museo della Permanente, que acolheu entre criações de designers e da indústria de móveis, obras de artesãos da Rede Artesol e objetos de arte popular da loja Marco 500. Segundo Joice, a ideia era contar histórias que remetem à nossa biodiversidade, ao sincretismo religioso e ao design como essência da economia criativa perpassando o turismo, a comunicação e a moda, entre outras áreas.

Entre as peças selecionadas pela especialista etavam as beatas esculpidas pelo mestre Fabio Ramos, que dá vida à madeira morta no agreste pernambucano, terços com pássaros inspirados na da Serra das Araras (MG), vitórias-régias criadas com látex natural em seringais amazônicos e cestos trançados em aldeias indígenas. Essas e muitas outras obras que nasceram em casas de pau a pique em cidades sufocadas pelo calor do sertão ou entre os coqueirais do litoral baiano e tantos outros biomas e territórios foram reveladas ao mundo em uma perspectiva que exaltava a singularidade da cultura material brasileira.

foto: divulgação

Um dos destaques da exposição foi a cadeira do artista alagoano Jasson Cassia, exposta ao lado da clássica cadeira "Red and Blue", de Gerrit Rietveld, uma das criações mais conhecidas do design moderno. Segundo Joppert, o que chama atenção na comparação estética das duas peças é o contraste das cores primárias, que seguem as formas e as enfatizam. Esse conceito marcou a escola De Stijl – movimento artístico surgido na Holanda em 1917, que pregava o abstracionismo geométrico e um padrão cromático conceitual. O movimento antecedeu a Escola Bauhaus e teve grande influência nas artes plásticas, na arquitetura e no design internacional. "O interessante é pensar que o estado de Pernambuco (que depois foi separado em Pernambuco e Algagoas) já foi ocupado pelos holandeses. Então, o inconsciente coletivo pode ter influenciado o processo criativo de Jasson, já que, segundo ele, a inspiração para as cadeiras que cria surge em seus sonhos. Então isso é incrível: constatar que a obra de um artista do agreste nordestino - que não teve contato com nenhuma referência conceitual ou acadêmica - está em sincrocidade com a vanguarda do design mundial", afirma a curadora.

Cadeira esculpida pelo artista alagoano Jassom Cassio ao lado da clássica cadeira Red and Blue do holandês arquiteto holandês Gerrit Rietveld

 “O inconsciente coletivo, denso de ancestralidade, é inspiração inesgotável. Temos aqui as nossas características únicas: de disrupção e reverência, profundidade e leveza, exuberância e ousadia incauta. A contínua renovação que alimenta a inventividade e alquimia dos nossos territórios e pluralidades”, diz o texto curatorial da mostra. Essa pluralidade se materializou também na apresentação das beatas de madeira ao lado de uma imagem de Nossa Senhora em cristal e ouro, ou do das frutas entalhadas por artesãos mineiros em bandeja de mármore brasileiro, entre outras composições.

Outro destaque da exposição era a ambientação que, através de video mapping e outras tecnologias que transportaram os visitantes para as florestas brasileiras. Um dos espaços foi essencialmente dedicado à experiência sensorial, uma atmosfera simulada da floresta tropical brasileira. O bioma da Mata Atlântica, por exemplo, se materializou para os visitantes por meio de imagens gravadas no Jardim Botânico, Parque Lage e Parque da Pedra Branca, no Rio de Janeiro. Também eram ouvidos os sons de alguns pássaros nativos brasileiros, como o fogo-apagou, curió, bem-te-vi e joão de barro. 

Cestras trançadas em palha de piaçava com técnica indígena tupinambá na Costa do Sauípe (BA) e Vitória-régia de latéx natural do Grupo Poloprobio no Acre

Pratos de marchetaria no Amazonas e beatas esculpidas em madeira em Pernambuco.

 Embaixador Eduardo Santos, Joice Joppert Leal, curadora da Be Brasil em Milao e o presudente da Abirochas Reinaldo Sampaio

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